TEXTO INTEGRAL

PARECER SN84/2014

Processo: 2013-204757

Assunto: DUVIDA SOBRE DECLARAÇÃO DE CONVIVENCIA MARITAL POS MORTEM

PATRICE DE OLIVIRA FAGUNDES

CAPITAL 14 OF DE NOTAS

PARECER

 

 

Trata-se de indagação apresentada por usuária do Serviço notarial quanto à possibilidade de ser lavrada escritura pública declaratória de união estável post mortem, isto é, escritura a ser firmada pela mãe e pela irmã do de cujus no sentido de atestar a convivência more uxorio, para fins de habilitação da companheira junto à Previdência Social.

 

A consulta realizada junto aos Tabeliães dos Serviços de Notas da Capital demonstrou que a questão apresenta controvérsia, na medida em que os dois primeiros Serviços extrajudiciais acenaram para a possibilidade de se praticar tal ato; enquanto que os dois últimos negaram a viabilidade da lavratura da mencionada escritura declaratória.

 

A ANOREG/RJ manifestou se às fls. 28/32, destacando que não se confundem a escritura de reconhecimento de união estável (ato bilateral com conteúdo contratual) e a escritura meramente declaratória (unilateral), ressaltando que ambas as hipóteses podem se revestir de forma pública e que o Tabelionato tem o dever legal de atender à solicitação da parte interessada, salvo quando o objeto do ato notarial for ilícito.

 

Manifestação da DIPEX, às fls. 48/50, esclarecendo que algumas entidades previdenciárias admitem, para efeito de concessão de pensão por morte, a apresentação de escritura pública declaratória de união estável, sendo que esta deve vir acompanhada de outros documentos especificados no rol de documentos necessários à comprovação do vínculo e da dependência econômica.

 

É o relatório.

 

Deve ser ressaltado, em primeiro lugar, que a escritura pública é lavrada perante o Tabelionato, em regra, para traduzir a manifestação de vontade das partes ou declarar uma situação juridicamente relevante, visando à formalização de ato jurídico.

 

Assim prevê o artigo 215, § 1º, inciso IV do Código Civil:

 

"Art.215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

 

§ 1º. Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:

 

(...)

 

IV  manifestação clara de vontade das partes e dos intervenientes."

 

Dessa forma, ao lavrar a escritura pública declaratória de união estável, o Tabelião confere formalidade, segurança jurídica e eficácia à manifestação de vontade dos interessados, consubstanciando o documento, dotado de fé pública, que comprova a união das partes.

 

No caso em tela, já sendo o companheiro falecido, ficará faltando a manifestação de vontade do de cujus, reconhecendo a existência da convivência more uxoria. Ou seja, a escritura pública declaratória não poderá produzirá os seus efeitos regulares diante da ausência de seu elemento formador: a manifestação de vontade de um dos companheiros.

 

Diversamente, ao ser lavrada uma escritura declaratória de união estável post mortem, estará o Tabelião, na verdade, colhendo elementos de prova para configurar uma situação jurídica que não emana diretamente da declaração de vontade da parte interessada.

 

A situação fático jurídica pode ser verdadeira, sem dúvida. Mas a escritura pública declaratória estará servindo de base para a colheita de depoimentos visando à formação de convencimento de que a situação, de fato, ocorreu. A escritura declaratória deixa de servir como forma pública e dotada de fé pública da situação jurídica em si, resultante da dupla manifestação de vontades.

 

Cabe acrescentar, no entanto, que as Entidades de Previdência Social podem aceitar a escritura declaratória como elemento de prova para fins de demonstrar, em conjunto com outros dados, a existência post mortem de união estável.

 

Nesse sentido, temos o Decreto nº 3048/99, que regulamenta a Previdência Social, que dispõe em seu artigo 22, § 3º, sobre os documentos necessários à comprovação do vinculo e da dependência econômica para fins de recebimento de pensão, bastando que no mínimo três sejam apresentados pela parte interessada. São eles:

 

§ 3º Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, devem ser apresentados no mínimo três dos seguintes documentos: (Redação dada pelo Decreto nº 3.668, de 2000)

 

I   certidão de nascimento de filho havido em comum;

II   certidão de casamento religioso;

III   declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente;

IV   disposições testamentárias;

V - Revogado pelo decreto nº 5699/2006;

VI   declaração especial feita perante tabelião;

VII   prova de mesmo domicílio;

VIII   prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil;

IX   procuração ou fiança reciprocamente outorgada;

X   conta bancária conjunta;

XI   registro em associação de qualquer natureza, onde conste o interessado como dependente do segurado;

XII   anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados;

XIII   apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária;

XIV   ficha de tratamento em instituição de assistência médica, da qual conste o segurado como responsável;

XV   escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome de dependente;

XVI   declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; ou

XVII   quaisquer outros que possam levar à convicção do fato a comprovar.

 

Com o falecimento do companheiro, impedido assim de manifestar a sua vontade, a questão passa a se resumir especificamente no campo probatório. E caberá ao órgão público apontar os elementos de prova que entende suficientes para a configuração da situação jurídica.

 

Para efeito de concessão de pensão militar, o próprio órgão público exige da parte interessada a apresentação de escritura declaratória de união estável post mortem para fins de habilitação como dependente:

 

HABILITAÇÃO E PAGAMENTO DE PENSÃO MILITAR E DE EX COMBATENTE

 

Confira a seguir a lista dos documentos necessários:

 

Pensão   Documentos necessários e requisitos - Companheira (o) (somente no caso do militar ter falecido na vigência da Medida Provisória nº 2.215, de agosto de 2001):

 

1. Certidão de óbito do(a) militar

2. Certidão de nascimento ou casamento com averbação de separação ou divórcio do(a) militar

3. Certidão (nascimento, casamento ou óbito) dos filhos (menor ou maior de idade) declarados beneficiários habilitáveis à pensão

4. Carteira de identidade atualizada e CPF regular da(o) requerente

5. Carteira de identidade e CPF do(a) militar

6. Comprovante de abertura de conta corrente individual em nome da(o) requerente, não podendo ser conta poupança ou conta corrente baixa renda

7. Documento expedido pelo órgão que concedeu a pensão/aposentadoria percebida de cofre público federal, municipal e estadual, se for o caso.

(Ex: Título de Pensão, INSS com o nº da espécie do benefício).

8. Escritura pública declaratória de união estável (pós mortem), justificação judicial ou ação declaratória de união estável.

Caso não tenha sido designada(o) beneficiária(o) em vida pelo(a) militar, deverá fazer prova da união estável apresentando, além da documentação acima, no mínimo dois outros documentos probatórios da união, tais como:

  certidão dos filhos nascidos da união;

  prova de domicílio comum;

  conta bancária conjunta;

  escritura pública declaratória de união estável feita em vida pelo(a) militar;

  certidão de casamento religioso; e

  outros documentos de igual força probante.

 

Parece-nos que, nessa hipótese, não há qualquer empecilho para a lavratura do ato notarial, por exigência do órgão público a que se destina, sendo certo que o valor probatório da escritura declaratória de união estável post mortem não passará de mais um elemento de convencimento a ser considerado no exame do requerimento de pensão, em conjunto com outros documentos e, inclusive, a manifestação em vida do próprio companheiro que veio a falecer.

 

Forçoso concluir, portanto, que não há óbice legal à lavratura de escritura pública declaratória de união estável post mortem. Todavia, esta escritura não se constitui como prova plena do fato jurídico em si, uma vez que retrata a manifestação unilateral de vontade da parte, razão pela qual os órgãos públicos exigem a apresentação de outros documentos para o deferimento do benefício previdenciário.

 

Assim, afigura se compatível com as regras e interesses em apreço que a escritura declaratória de união estável continue sendo lavrada, em regra, como ato notarial resultante da dupla manifestação de vontade dos companheiros, visando ao reconhecimento de situação fático jurídica preexistente. E, pois, servirá de prova robusta para os fins de direito a que se destinar.

 

Em hipótese de falecimento de um dos companheiros, a escritura declaratória de união estável post mortem deve ser lavrada somente em casos específicos, em que a sua apresentação for dirigida a órgão previdenciário e com o cuidado de se advertir aos interessados que o ato notarial não faz prova plena da união estável, servindo apenas como elemento de prova a seu respeito.

 

Assim, o Tabelião deverá fazer constar no corpo da escritura que a mesma servirá de elemento de prova perante o órgão público para fins de concessão do benefício previdenciário.

 

E, como bem destacado pela equipe da DIPEX em seu parecer, quando sobrevier dúvida ao Tabelião, no exame do caso concreto e diante de suas nuances, deverá suscitá la ao r. Juízo de Registros Públicos, na forma prevista no artigo 89 do CODJERJ.

 

Diante do exposto, sugere se que a consulta veiculada nestes autos seja respondida no sentido da possibilidade de ser lavrada escritura pública declaratória de união estável post mortem, devendo constar no corpo do ato que a mesma servirá apenas como elemento de prova perante o órgão previdenciário para fins de concessão de benefícios.

 

Encaminhe-se o presente expediente à superior apreciação do Exmo. Desembargador Corregedor Geral da Justiça.

 

Rio de Janeiro, 05 de junho de 2014.

 

Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes

Juiz Auxiliar da CGJ

 

DECISÃO

 

Acolho o parecer supra e, por conseguinte, a consulta formulada deve ser respondida no sentido de que a escritura pública declaratória de união estável post mortem deve ser lavrada somente em casos específicos, em que a sua apresentação for dirigida à entidade previdenciária, devendo constar no corpo do ato que a mesma servirá apenas como elemento de prova junto ao referido órgão para fins de concessão de benefício previdenciário.

 

Publique-se.

Rio de Janeiro, 05 de junho de 2014.

 

Desembargador VALMIR DE OLIVEIRA SILVA

Corregedor Geral da Justiça

 

Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.